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pesquisaFAV | Jovens e Cineastas: o cotidiano em sala e na tela

By Renato Cirino. On 06/27/23 15:42 . Updated at 06/30/23 18:52 .

Pesquisa discute o audiovisual no contexto do ensino público a partir de realizações cinematográficas em escola de Aparecida de Goiânia

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Filmagens durante a realização do projeto Jovens Cineastas — Foto: arquivo pessoal

Iniciada em março de 2021, a pesquisa Jovens Cineastas: Montagem Audiovisual, Arte e Cotidiano na Escola busca compreender “o processo criativo e prático da montagem audiovisual nas produções de filmes estudantis em contexto de escola pública”, diz Maykon Rodrigues dos Anjos (30), mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás (PPGACV/UFG).

O pesquisador, bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), utilizou a produção de filmes, com parcos ou quase nenhum recurso material, enquanto prática pedagógica em sala de aula.

A pesquisa partiu do projeto de pesquisa Jovens Cineastas realizada em 2019 no âmbito do curso de graduação em Cinema e Audiovisual da UEG. Na ocasião, ofertou-se uma disciplina eletiva e homônima para os alunos do Ensino Médio do Centro de Ensino em Período Integral Nova Cidade (CEPI). À época graduando, era a primeira vez de Maykon ministrando a eletiva para o centro de ensino.

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Maykon Rodrigues (esq.) instruindo os alunos do CEPI — Foto: arquivo pessoal

Estudantes de 15 a 18 anos, da turma do Ensino Médio 2º ano C, produziram filmagens sobre seus cotidianos e vivências em regime híbrido de aulas durante a pandemia de COVID-19. Inicialmente, as atividades foram conduzidas em dois grupos: um presencial e outro em encontros por videoconferência. A partir de seus próprios celulares, os alunos gravaram fragmentos de vídeo que, posteriormente, foram reunidos em produções cinematográficas coletivas.

Maykon conta que as atividades eram realizadas pela manhã, de maneira presencial, e à tarde, em modelo remoto na plataforma Zoom. Os filmes, resultado da experiência entre estudantes no contexto da pesquisa, foram exibidos para a comunidade escolar e para a comunidade local em uma sala de cinema adaptada pela turma.

“Utilizamos adereços como TNT para forrar o interior cobrir frestas de luz, colamos cartazes dos filmes nas paredes externas, o quadro branco se transformou em uma tela de cinema, além de prepararmos uma fachada externa com painel de led com letreiro do cinema da escola”, elucida o mestrando.

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Adereços da sala de exibição preparada pelos estudantes — Foto: arquivo pessoal

Em artigo sobre o tema, o mestrando explica que uma disciplina eletiva “faz parte de um núcleo diversificado, uma proposta pedagógica que visa dinamizar as aulas, capacitando os alunos do ensino médio para habilidades específicas e os preparando para vida profissional”. Iniciativas como a da pesquisa Jovens Cineastas, instrumentaliza os e as estudantes a operarem seus dispositivos portáteis, otimizando-os para a realização audiovisual, ao mesmo tempo em que contribui para uma percepção crítica de seus cotidianos e da realidade local.

As disciplinas eletivas são organizadas pelas próprias instituições de educação. Nesse sentido, o plano metodológico negociado entre Maykon e a direção do CEPI precisou ser construído em “consonância com o contexto local da comunidade periférica”, onde a escola está localizada, na cidade de Aparecida de Goiânia. Para o pesquisador, a recepção e aceitação do plano de ensino proposto por ele, foi tida como uma “oportunidade de trocas”, cuja experiência resultou em dez filmes: dois produzidos de maneira coletiva e oito de autoria individual.

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Exibição dos filmes curta-metragem — Foto: arquivo pessoal

JANELAS PARA O UNIVERSO CINEMATOGRÁFICO

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Poster do filme 2021: Uma Odisseia no Espaço Urbano-Escolar — Foto: arquivo pessoal

Embora as circunstâncias fossem árduas, por conta da pandemia ocasionada pelo coronavírus, os resultados foram animadores. Antes mesmo da volta ao regime presencial, o grupo do matutino desenvolveu o filme curta-metragem 2021: Uma Odisseia no Espaço Urbano-Escolar, e o grupo do vespertino, orientado à distância, realizou a produção cinematográfica Janelas.

Já no começo de outubro de 2021, depois do avanço da vacinação no país, o 2º ano C estava integralmente em sala de aula. A partir daí, os estudantes tiveram autonomia para se organizar e desenvolver as narrativas cinematográficas. Algumas criações foram individuais e outras em dupla. As obras realizadas foram::

7:30 AM, de Ana Beatriz.
A Beleza da Natureza, por Jamilly Vitória e Steffany Apolinario.
Lúcida, de Emilly Silva e Lúcia Eulina.
O Amor Tem Várias Versões, de Pryscilla Risomar.
O Meu Sonho que Eu Vou Conseguir, produzido por Gabriel Isaquel.
Saudades de Você que se Foi, de Anatricia Tomaz.
Trajeto Cotidiano Até a Escola, de Emerson Costa.

Porém, além das produções estudantis, a professora Alba de Sousa também realizou o filme Sonho de Pintura. Nele, uma sequência de ilustrações de árvores e um ambiente verdejante assumem lugar na tela, justapostos com uma música de fundo que remete a sons de pássaros, fogo e ruídos próprios de áreas florestais. Mais adiante, o curta mostra outras pinturas que também agregam à coleção.

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Poster do filme Janelas — Foto: arquivo pessoal

Saudoso sobre a origem da colaboração com a docente, o pesquisador descreve que ambos se aproximaram durante as reuniões do projeto na sala dos professores do CEPI. Durante as conversas que tiveram, Alba mostrou a Maykon suas pinturas; realizadas em telas físicas diversas, mas sobretudo de maneira digital. Foi então que surgiu a oportunidade de convidar a professora para compor o acervo de filmes da pesquisa.

As produções são diversas e apresentam diferentes maneiras de composição e edição. No filme 2021: Uma Odisseia no Espaço Urbano-Escolar, por exemplo, acompanhamos uma bolinha de cor laranja saltar das mãos dos alunos até professores, momento em que ela cai no chão e, a partir disso, nós a seguimos no percurso pelos lugares frequentados diariamente pelos estudantes e educadores.

No filme Janelas, cenas perpassam a tela por meio da vista de várias janelas, enquanto uma música de fundo descontraída toca junto ao poema de Carlos Drummond de Andrade “O mundo é grande”. Essas são apenas algumas das descrições de cenas que encontramos em cada um dos curtas. A maior parte deles possuem um tom minimalista e narrativa simples, sem deixar de lado o caráter experimental do projeto, conduzido por inteiro sob orçamento modesto.

SINUOSIDADES, ATALHOS, PARCERIAS

A orientadora Dr.a Alice Fátima Martins, professora do PPGACV/UFG e também docente do curso de Licenciatura em Artes Visuais da FAV, chama atenção para as as estratégias adotadas na pesquisa considerando os aspectos socioeconômicos que envolvem a realidade estudantil. Segundo ela:

“A pesquisa desenvolvida por Maykon mostra possibilidades concretas sobre a construção de aprendizagens altamente significativas, por estudantes do ensino médio, em escolas de periferia, no âmbito do audiovisual, com custos muito baixos, mesmo que as condições sejam precárias”.

Nesse mesmo sentido, o bacharel ressalta a importância da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) como uma das financiadoras do projeto, salientando o papel do investimento público na finalização de iniciativas como a Jovens Cineastas. “A FAPEG me possibilitou dedicação exclusiva à pequisa”, diz Maykon, “viabilizando acompanhar de perto os resultados [alcançados com o projeto]” arremata.

Apesar dos obstáculos do contexto pandêmico, da falta de recursos financeiros e das dificuldades técnicas, a turma de estudantes produziu dez filmes. Uma sala foi adaptada para projeção dos filmes, construída pela própria turma de alunos, que tiveram como espectadores de suas produções a comunidade escolar e local.

Embora com limitações financeiras e estruturais, o CEPI sempre apoiou a investida do pesquisador. Entusiasmado, Maykon escreve que a instituição “sempre acreditou em projetos de interação da educação com o cinema e abriu as portas da escola para acolher esta pesquisa”. Em complemento, o pesquisador menciona como ponto de destaque o estreitamento de relações entre a referida escola e as universidades, em especial no campo da pesquisa acadêmica, e a maneira pela qual CEPI abraça propostas e parcerias diversificadas.

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Adereços da sala de cinema — Foto: arquivo pessoal

De acordo com o mestrando, o suporte da instituição foi fundamental para que o projeto avançasse. Em uma estreita colaboração, a escola acompanhou a iniciativa, forneceu suporte, atendeu às demandas e dúvidas dos alunos e da fronte de pesquisa, e possibilitou um ambiente profícuo à realização da pesquisa. Para Maykon, a melhor experiência foi “[...] a maneira que estudantes responderam aos desafios através de engajamento coletivo, parceria, estabelecimento de vínculos afetivos, respeito, inclusão das diferenças com igualdade, e protagonismo”, conta, emocionado.

Não por acaso, a emoção se deve ao resgate das experiências na adolescência de Maykon quando havia cursado o Ensino Médio. Foi naquele momento que ocorreu os seus primeiros contatos com o cinema e a perspectiva pedagógica na escola. Por isso, o mestrando procurou, com seu trabalho, oportunizar o elo entre os alunos e o universo do audiovisual, especialmente o cinematográfico. Contudo, para que isso fosse possível, além dos obstáculos da pesquisa em si, o mestrando teve que enfrentar os desafios impostos pela pandemia.

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Pátio do Centro de Ensino em Período Integral Nova Cidade (CEPI) — Foto: arquivo pessoal

PANDEMIA: UM ZIGUEZAGUE

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Exibição dos filmes — Foto: arquivo pessoal

Os limites do ensino remoto dificultaram a execução de uma disciplina com alto número de atividades práticas como a referida. Para atenuar os empecilhos, enquanto estratégia de pesquisa, foi necessário apropriar-se dos celulares a fim de dar seguimento às gravações direcionadas a compor os filmes. Maykon acrescenta que, durante a pandemia, tanto as turmas quanto a equipe pesquisadora estavam em posição de alerta frequente mediante os riscos de contágio do vírus.

Até o progresso da vacinação nos cenários nacional e local, os grupos que fizeram parte da pesquisa precisaram se adaptar às medidas restritivas. Nas videoconferências, os alunos dialogavam por microfones e pelo chat da plataforma, representados somente por avatares e fotos de perfis. Já a turma presencial usava máscaras e se atentava para as devidas orientações sanitárias como higienização das mãos, tal qual o respeito ao distanciamento social.

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Cena do filme Lúcida — Foto: arquivo pessoal

Apesar do bom engajamento dos estudantes na participação do projeto na modalidade à distância, o retorno parcial às atividades presenciais revelou alguns problemas. O acadêmico relata ter notado sinais de desânimo e cansaço por parte dos discentes. Afinal de contas, eles haviam voltado da experiência de um ano de isolamento e ensino remoto. Maykon complementa:

“Além disso, o contexto em que estávamos inseridos era bastante trágico: centenas, milhares de vidas foram perdidas diariamente em consequência da COVID-19. Algumas alunas e alguns alunos perderam familiares e pessoas próximas durante esse período”.

Em vista dessa conjuntura, Alice Fátima destaca que “resiliência” foi a principal virtude necessária na condução do projeto diante de todas as imposições da pandemia. Ela ainda acrescenta um alerta para a precarização que o ensino superior no Brasil vem sofrendo nos últimos anos, com os cortes de verbas oficializados pelo Governo Federal e o sucateamento das universidades.

NAS LENTES CÉLERES

O reconhecimento da persistência e execução da pesquisa, bem como da participação das e dos estudantes, veio em forma de prêmio. Ao todo, cinco filmes receberam menção honrosa no Festival de Cinema Estudantil de Impacto Mundial¹ (SWIFF na sigla em inglês) em 2022.

O objetivo do festival é dar visibilidade e divulgar as produções de estudantes de cinema do mundo inteiro. Há dois anos, a SWIFF realiza um processo seletivo na busca de novos talentos. Os filmes vencedores têm a oportunidade de serem adicionados ao catálogo da plataforma de streaming Amazon Prime Video. Além disso, os autores por trás da obra ainda podem ser convidados para falarem no podcast Sessões de Filmes, da mesma plataforma.

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Certificado de Honra ao Mérito do SWIFF — Foto: arquivo pessoal

Alice Fátima se alegra ao revelar seu ponto de vista sobre a premiação:

“Quando uma pesquisa desenvolvida apesar de todas essas dificuldades conquista visibilidade e reconhecimento dessa forma, todos ganham: a comunidade da escola que acolheu o projeto, o Maykon, em seu processo de formação e aprovação de suas escolhas e encaminhamentos, o Programa de Pós-Graduação ao qual ele está vinculado, e do qual eu faço parte. Para mim é um alento [...]”.

O resultado final da pesquisa Jovens Cineastas: Montagem Audiovisual, Arte e Cotidiano na Escola, no curso de mestrado do Programa de Pós-graduação Arte e Cultura Visual poderá ser apreciada no dia 30/06, às 14h30, em transmissão na plataforma Google Meet. Caso tenha interesse em acompanhar, acesse: https://meet.google.com/itc-ohje-ukf

1. Tradução livre de Student World Impact Filme Festival em língua inglesa.

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Exibição final dos filmes produzidos durante a pesquisa Jovens Cineastas — Foto: arquivo pessoal

Serviços

Canal no YouTube do CEPI Nova Cidade: https://www.youtube.com/@CEPINovaCidade.

Contatos

Maycon Rodrigues: maykonrodrigues@discente.ufg.br.
Alice Fátima Araújo: profalice2fm@ufg.br.
CEPI Nova Cidade: 52031535@seduc.go.gov.br ou (62) 3537-5517.

PesquisaFAV é uma série textual com foco nos processos de pesquisa do cotidiano da FAV com o objetivo de popularizar a produção científica por meio de linguagem simples e acessível.

*Piter Salvatore é estagiário do curso de Jornalismo orientado pelo jornalista Renato Cirino e pela professora Luana Borges.

Source: Renato Cirino e Piter Salvatore*

Categories: pesquisaFAV Cinema PPGACV Maykon Rodrigues Alice Fátima Martins